domingo, 5 de maio de 2013

FALATÓRIO





FALATÓRIO


Vou à rua e falo com as pessoas
Numa linguagem que todos conhecem
Do dia a dia, do governo, da Europa
Das guerras e de outras coisas banais

Falo às vezes também sozinho
Também olho a lua e o céu
Aquele céu tão azul a contracenar
Com o vermelho desta terra
Tão cheia de maldições humanas

Vou à papelaria
Compro um mísero jornal
Cumprimento o meu vizinho do lado
Cansado e doente de tanta idade
A contrastar com a mocetona
Que passou mesmo junto a nós

Ai que saudades eu tenho
Do tempo passado e ingrato
Que vai fugindo sem dó

Nunca mais o irei agarrar. Eu sei que não
É trágico muito trágico
Como aquele furação
Que passou no outro lado do Atlântico

Foi naquele pais que eu conheço
Apenas e só geograficamente
Mas que eu também falo dele
Talvez por bem conhecer
Algum jogador de foot-ball
Ou alguma estrela P.O.P..

Vou à rua e desabafo
Como se fosse curandeiro
Dos males do Universo
Este Universo sem esperança
Tão cheio de horrendos pavores
Que dançam ao ritmo
Do sangue, da angustia, da solidão
Num grito feroz
Que assusta qualquer animal
Por mais selvagem que seja
Nas longínquas savanas
De uma África faminta
Ou de uma Antártida gelada
Corroendo as avalanches do desespero

Até com as arvores eu falo
Elas ouvem-me e abanam as folhas
Mas não me respondem
Impotentes na sua roupagem agreste

Quando eu falo dizem que estou louco
É a minha consciência que se liberta
Esperando que nesta terra
Os cadáveres tenham uma palavra a dizer
E não apareçam apenas nos jornais
Com uma cruz em cima
Ou feitos mártires
Desta sociedade de consumo
Que não se consome apenas
Na papelaria da minha rua.



ARIEH  NATSAC

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