quinta-feira, 30 de setembro de 2010

SOU POETA

Chamaram-me poeta um dia
Só porque sabia rimar
Sem verem que o teu olhar
É a luz que me alumia


Chamaram-me poeta um dia
Quando nos teus olhos poisei
Nos teus lábios me inspirei
Sem saber o que escrevia


Mas nas horas de tormento
Eu procuro o meu alento
Sempre que quero rimar


Assim rimo com a nostalgia
Rimo também com a alegria
Rimo porque te quero amar.


                                                                         ARIEH  NATSAC







ESTÁ TUDO TROCADO





Homens da minha terra
Calem-se
Mensageiros da desgraça
Tudo o que dizem
É trapaça
Nossos ouvidos estão surdos
Nossos pensamentos
São urros
Que os levam
O mar sem norte
E batem em rochedos
De sonhos
Aspergindo-se
De soluços medonhos
Que nem a morfina mais forte
Já nos consegue
Salvar
Do degredo
Que está bem perto.
E vós saltitões?
Que saltitam
Em poiso incerto
Que sabeis vós?
Ah! – Mas como o mundo
Está quadrado
Contrariando
Todos os teoremas
Que estão falsos
Vinde a mim
Sábios de outrora
Fazei renascer
Nova aurora
Neste mundo de ilusões
Onde…
Nada se diz
Nada se faz
Mas tudo nos levam
Em constantes mutações.
E como diria Pascal
Tudo se transmite
Em todas as direcções.



                                                                             ARIEH  NATSAC


POEMA COM PORRA

Apetece-me dizer porra
Em vez de moca, pénis, esperma, chiça ou irra
Expressão tão corriqueira
Como porre que é bebedeira
Dita num outro tom
Tal como porreta
Que é lindo excelente ou bom
Mas para não ficar porrado
Que também vem de porra
Digo antes embriagado
Que tem muito melhor som
E sem grande porretada
Que é amiga de porra
Ninguém me dá porrada.
Com tanta porra no ar
Meu Deus! - Isto é absurdo
Mas se até existe porrista
Que quer dizer cabeçudo
Apetece-me dizer porra
E porque não dizê-lo afinal
De porra também vem cachaporra
Que a alguns não fazia mal
E se há quem não conceba a expressão
E com a porra fica enjoado
Lembra-se que porra tem o homem
Mesmo o mais delicado
Mas se ainda não está satisfeito
E lhe dizem és um porrista
Em vez de caldos de galinha
Pelos quais também não morro
Aconselho a tomar
Uns caldinhos de alho-porro
E se à porra têm aversão
Ao menos por uma vez
Assim como quem não quer não
Consulta o léxico do Português.

                                                                         ARIEH NATSAC

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

NEM SEMPRE RAINHA NEM SEMPRE GALINHA

Houve um rei em Portugal
Que tinha pouca moral
E uma vida de boémio
Era mesmo depravado
Vaidoso e até emproado
E na infidelidade era um génio

Tinha um gosto por freiras
E eram muitas as carreiras
Que fazia até Odivelas
Madre Paula era a visada
E já estava habituada
Às suas escapadelas

Mas depois deste delírios
Para solvê-los com martírios
El-rei ia se confessar
A um padre franciscano
Que para reparar seu dano
Convidava-o a não pecar

Então el-rei bem seguro
Decretou que no futuro
Dizendo ao seu mordomo:
Frei Tomé por ordem minha
Somente comerá galinha
Enquanto eu estiver no trono

O frade passado algum tempo
Dando-se mal com o evento
Resolveu falar com el-rei
Este tocando-lhe no ombro
Disse-lhe com tal desassombro
Aqui sou eu que faço a lei

Ouvi seus conselhos com rigor
Vou segui-los com fervor
Não traio mais a rainha
Não cometo mais o pecado
E o senhor no meu reinado
Só pode comer galinha.


                                                                             ARIEH  NATSAC



terça-feira, 28 de setembro de 2010

A GAVETA SEM CHAVE

 A GAVETA

Fecho a minha vida
Numa gaveta
Secreta
Mas que toda a gente
E relê
Com partilhas
Em redondilhas
Com amor
E desamor
Com raiva
E até ciúme
Escrita aos quatro ventos
Sem queixume
Mas eu noto
Que o tempo passa
Com espada
Que trespassa
Uma agonia
Que não me deixa
E nem sequer minha queixa
A pode afastar
De vez
E não há duas
Sem três
Mas talvez…
Quem sabe!
Um dia tudo mude
Mas não me ilude
Quem me afronta
E me confronta
Com a verdade
Ah! Mas não se esqueçam
Que a realidade
Não se desmonta
Pois não se enganem
Nem se esganem
Porque em todos nós
Há uma gaveta
Com muitas histórias
Em linha recta.


                                                                               ARIEH  NATSAC

sábado, 25 de setembro de 2010

OLHEM QUE TEMPO...

Sento-me no café
Antes que cheguem horas
Leio o jornal
Para me descontrair
Um pouco…
Antes de começar a guerra
Do quotidiano
Depois será o descarregar
Do ácido clorídrico
Que invade o fígado
Retalhado
Pela acidez da vida
Mas que leio eu
Se não guerras
Mas que vejo eu
Se não mortos
Mas que eu oiço eu
Se não apelos aflitos
De crianças
Pedindo pão
E paz
Como Icaros de asas cortadas
Que não conseguem voar
Mas ninguém os ouve
Porque estão cegos
De raiva
Mas ninguém os escuta
Porque o troar das armas
Só consegue desfigurar
A angustia
Dos próprios filhos
Bolas…
Mas porque falam em paz
Se a guerra não para.
Depois de ler o jornal
Caminho lentamente
E entro na guerra
Do quotidiano
Pensando…
Que talvez fosse melhor
A humanidade
Ser surda, cega e muda
Pois talvez assim…
Houvesse Paz.
                                   Seria?


                                                                                     ARIEH NATSAC







terça-feira, 21 de setembro de 2010

COMO VÊEM SEI QUEM SOU...

    MOTE

Não sou um tipo difícil
E tenho bom coração
Zangado sou um projéctil
Calmo um bonacheirão

     GLOSAS

Quem me olhar bem no rosto
No meu olhar encovado
De sobrolho carregado
Que às vezes mete susto
Tão diferente do meu gosto
Deve estudar-me com atenção
E não achar-me ignóbil
Nem tão pouco um furação
NÃO SOU UM TIPO DIFICIL

Na linha da minha vida
Procuro dar-me bem com todos
Ter alegria a rodos
E que ela seja comprida
Ver toda a gente unida
Haver um mundo diferente
Com concórdia e razão
Uma necessidade premente
Ver feliz toda a gente
E TENHO BOM CORAÇÃO

Mas nela há a instabilidade
Como a timidez e a violência
Fruto de uma incoerência
Que me persegue com ansiedade
E me deixa sem liberdade
Que teimo em procurar
Mas sei que é difícil
Isso não posso ignorar
Por favor!... não me façam exaltar
ZANGADO SOU UM PROJECTIL

Como vêem sei quem sou
Tenho a minha encadernação
Mas também sei dar a mão
A quem minha fúria molestou
Pois logo que ela acalmou
Sou manso como cordeiro
E disposto à conciliação
Depois de passar o vespeiro
Passo a auto justiceiro
CALMO UM BONACHEIRÃO.


                                                                                  ARIEH  NATSAC


AMOR VIRTUAL


Sonho contigo
Escrevo-te poesia
Abraço o vazio
Que não conheço
Quem serás?
Onde estarás?
Fico olhando
O imaginário
Tentando passar
Por um ecran
Que se torna
Barreira intransponível
Mas mesmo assim
Eu sorrio
Eu medito
Eu suspiro
Sem estar louco
Mas pouco a pouco
Vou conhecendo
Quem não conheço
Mas que não esqueço
E eu não mereço
Porque a vida
Do outro lado
Está fadada
Ao insucesso
Mas se sonhar
É fácil
Então…
Deixem-me sonhar
Mesmo que seja acordado.



                                                                                           ARIEH  NATSAC



domingo, 19 de setembro de 2010

ESTOU FARTO


Subo as escadas
Da vida
Tropeço
             Caio
                    Levanto-me
                                        Adormeço
Tento agarrar-me
Ao futuro
Tão escuro
Que mal me vejo
E sinto
Um tal desejo
E bocejo
E prevejo
Que outro dia se esconde
Mas não sei onde
Por mais
Que eu ronde
Ao mesmo vou parar
Cansado
Começo a arfar
Mas sem me faltar
O ar
Para eu respirar
Neste solfejo
Nesta melodia
Neste harpejo
Que todo o dia
Me entra porta dentro
Maldição
E eu já peço perdão
E eu lamento
Pois estou farto
Deste trato
Tão abstracto
Que não suporto
Pois já estou morto
E mais que torto
E ressequido
Sem ter um sentido
Calem-se almas penadas
Vampiros de sangue
Vivo
Deixem-me viver
Deixem-me escrever
Estar liberto
Em rumo certo
Pois não me enganem
Com tanta trama
Pois já me sinto
E eu não minto
Em desespero
E o que mais espero
Sem voltar a atrás
Lá bem distantes
Bem petulantes
E que tudo seja como dantes
Com muito sossego
E muita paz.



                                                                                           ARIEH  NATSAC

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

COIMBRA SEM ESTUDANTES

Coimbra sem estudantes
É Mondego sem ter água
Perde a cidade o encanto
E o rio chora de magoa



Até a maldita cabra
Chora de sentida saudade
Tem falta das capas negras
E da eterna mocidade



Tem falta das capas negras
Até a maldita cabra.



                                                                             ARIEH  NATSAC



BALADA DO MAR SALGADO

A água do mar tem sal
Tuas lágrimas também
Eu vejo nas suas ondas
Amarguras de alguém


Quando ele se desmaia
Na areia ele se esconde
Vem procurar na praia
Quem se perdeu não sei onde


No seu azul de veludo
Muitos choros ele contem
De olhos amargurados
Que o fitam com desdém.



                                                                           ARIEH  NATSAC


COIMBRA E MONDEGO DOIS AMORES


O Mondego é meu amigo
Está sempre à minha beira
Hei-de levá-lo comigo
Quer ele queira ou não queira


Suas águas são dolentes
Que a minha tristeza agarra
Correm suaves plangentes
Nas cordas de uma guitarra


Eu hei-de partir um dia
Quando será quem o sabe
Não vou chorar de alegria
Mas sim de eterna saudade


Saudades quem as não tem
Da terra que nos viu nascer
Mas daqui não sai ninguém
Sem que a consiga esquecer.




                                                          ARIEH  NATSAC



BALADA DA FONTE VELHA


Fui beber água à fonte
Velhinha fonte de amores
Caiu-me uma gota no rosto
Logo acalmou minhas dores



Quem sofre de amores assim
À fonte deve ir beber
Para acalmar suas dores
E deixar de padecer



Para acalmar suas dores
À fonte deve ir beber.




                                                              ARIEH NATSAC

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

LISBOA MISTERIOSA


Tem um ar de mistério
Onde o foi arranjar
Decerto no baptistério
Em que foi a baptizar


Tem colinas protectoras
Que a defendem a toda a hora
Suas casas sedutoras
Acolhem bela senhora


Ao Tejo pede perdão
Lembra suas aventuras
Rosário de travessuras
Com prece e devoção


Passa nas ruas ao acaso
E o seu ar bem…lá fica
Com o porte que abdica
Que saúdo quando passo


Sua silhueta é tão simétrica
Tem nas ruas ar de Pombal
Como em rima com métrica
Que inspira qualquer mortal


Tem igrejas onde ensinas
A fé na comunhão do povo
Tem monumentos e ruínas
Orgulho de quem é novo.



                                                                     ARIEH   NATSAC

AFINAL O QUE É UM AMIGO


Um amigo é tão importante como o sal na comida
Sem ele a vida não tem sabor….

Um amigo é como uma jóia,
Quanto mais velho mais tem valor…

Um amigo é como a sombra de uma árvore.
Quando estamos cansados e tristes é a ele que recorremos…

Um amigo é como o mar calmo.
Procuramos a sua suavidade para refrear o nosso ímpeto…

Um amigo é como um livro aberto.
Nele encontramos as soluções para os nossos problemas…

Um amigo é como o sol que nos aquece.
Quando sentimos o frio dos nossos dilemas…

Um amigo é aquele que nos segura.
Quando estamos à beira do abismo….

Um amigo é aquele Não.
Que nos abre os olhos para o nosso fatalismo…

Um amigo é a verdade que se afirma.
Quando julgamos ser tudo uma mentira….

Um amigo é um enviado de Deus.
Para nos encaminhar e nunca se retira…

Mas o tempo passa. A água corre.
Os amigos ficam para sempre como páginas de poesia….


                                                                                                        ARIEH NATSAC

JANELAS DE LISBOA

De cortinas coloridas
Pelo sol e pelo mar
Vêem gaivotas passar
As janelas de Lisboa
Nelas brilha a cidade
Com um riso e alegria
Onde habita a fantasia
Desta gente que apregoa

Um grito em cada esquina
O pregão de uma varina
Mistura-se com o ardina
Como massa que faz o pão
Que mata a fome ao amolador
Inspira qualquer pintor
E nos amola sem dor
Com a força da tradição

Janelas são âncoras de navios
São os olhos do povo
O mostrar de um dia novo
Despertando sobre as colinas
Janelas são silhuetas de guitarras
Cafés bares do Rossio
Aconchego amenizando o frio
São versos diálogos pantomimas

Janelas são os olhos de poetas
Desde Pessoa a Camões
Que nos prendem os corações
Com a sua inspiração
Janelas são harpejos de arte
Desta arte tão pombalina
Que fez desta Lisboa menina
Nosso olhar de perdição.


                                                                                            ARIEH NATSAC





OS POMBOS DE LISBOA





Cada pombo desta cidade
É um mito e singeleza
De pureza e de verdade
Que come connosco à mesa

Cada pombo desta cidade
É um fado e um corridinho
Um arrulhar de mansinho
Num suspiro de saudade

Pombos da cidade
São nuvens de esperança
Ondas de bonança
Que eu vejo passar
Pombos da cidade
São cores de aguarela
Em cada janela
Que eu vejo a brilhar

São olhos são sonhos
De rostos risonhos
Que os vêem voar
Libertos nas ruas
Que são todas suas
Sem nada os parar.


                                                                                   ARIEH NATSAC


UM ÚLTIMO SUSPIRO

Há um ritmo cardíaco alucinante
Compasso de orquestra desafinada
Onde o barulho representa o nada
De um sinfonia inconstante


O coração bateu forte
Lançou um eco profundo
Que se perdeu num segundo
Quando chegou a Deusa da morte


O ritmo então para sempre parou
E dum mal para sempre sarou
Sob uma pedra que diz jaz


Onde só existem  arcipreste
Que ondulam com ventos agrestes
Sentinelas – dum descanso em paz.


 Poema dedicado ao meu pai que faleceu em 06.12.1998.



                                                                                ARIEH NATSAC

QUEM ÉS TU...


És a jóia mais bela que tenho
O teu corpo é belo e ondeante
As ondas do mar beijam-te
Os teus cabelos têm vários tons
Na tua cabeça prateada
Pela lua e pelo sol
Erguem-se altas madeixas
Ladeadas por largos fios brancos
Que nos dão vida e cor
E onde proliferam quimeras.
Nos teus olhos magoados
Caem lágrimas desmaiadas
Por doces e ternos trinados
Que nos lembram as saudades,
Da nossa história,
Rica em palavras e actos históricos
Cantados e contados
Pela nossa boca
De voz enérgica e dolente,
Dos fadistas e dos poetas
Que nos trazem à memória.
Ah mas por aqui não fico
E estarrecido me fixo em teus seios
Altos e pontiagudos
Belos e omnipotentes
E brancos cor de neve,
Quando esta atrevida
Os vêm beijar,
E para nós é um encanto
Vê-los e desfrutá-los
Em toda a sua altivez.
Mas tornas-te mais bela ainda
Percorrendo o teu corpo
Onde o garrido das tuas vestes
Se mescla entre o néctar de uvas
E o verdejante cor de campinas,
Alfinetadas pelo dourado de espigas,
O alimento e a força graciosa
Do braço, de um ano, de trabalho.
Teu encanto é de princesa
E o teu perfil é sinuoso
Da cabeça até aos pés
Com que sulcas finas areias
E o sol se rende,
E onde te enamoraste
Por gente que não conhecias.


É lascivo o teu andar
Calmo e suave,
Como o de gaivotas
Que sobre o mar, planam
Onde a marinhar, nos ensinaste
Em barcos por inventar.


Mas quem és tu afinal?
Ainda não te apresentei
Pois só o teu nome eu sei
És o nosso PORTUGAL.





                                                                                               ARIEH  NATSAC

OLHA O CASTELO

Sobre as sete colinas
Nas ameias do castelo
Vêm à noite meninas
O Tejo. Namorá-lo


Debruçam-se com tal afecto
Que no murmúrio de um beijo
Nasce um amor tão secreto
Que o povo sente o desejo.


Suas muralhas são braços
Que em noites de lua cheia
Vem tecer nesta plebeia
Desenhos dos mais finos traços
E foi o nosso primeiro
Que por ela se enamorou
E uns intrusos expulsou
Com um grupo de aventureiros.


No Castelo fez-se história
E quem por lá passa
Relembra essa vitória
Num feito da populaça.


E o velho casario
Chora ainda de saudade
E vão nas águas do rio
Lágrimas da eternidade.



                                                                                           ARIEH NATSAC


O FOGO QUE MATA

Mãezinha
                Ardem-me os olhos
                 Na boca tenho sabor a carvão
                Do céu não vejo nem a cor
                Falta-me o ar
                Sobre a minha cabeça
                Só tenho nuvens de fumo
                Os campos não produzem
                E eu tenho fome
                Nos teus olhos só vejo amargura
                O teu peito arfa
                Parece que te falta o ar
                E o calor sufoca-me

Mãezinha
                Porque não posso ir até ao campo?
                Porque me dizes que não há árvore de Natal?
                Porque me dizes que posso morrer?
                Tu que me fizeste com tanto amor
                Será que este calor
                É o calor do inferno de que tanto me falas?

Mãezinha
               Eu quero viver
               Diz aos nossos irmãos
               Que todos temos direito a viver
               Que nos deixem ver o azul do céu
               Que apaguem todas as fogueiras
               Porque eu quero ver o verde dos campos

               O mundo assim vai acabar
               E com este fogo
               Vamos ter fome peste e guerra.
               Diz aos nossos irmãos
               Que se afastem do nosso caminho
               Que nos deixem viver respirar
               Viver em paz
               Somente com o fogo brando do amor.


                                                                                    ARIEH  NATSAC



NO SILÊNCIO DA NOITE

Sentado na rocha granítica
Que forma a grande muralha
Onde se senta a maralha
Em noites serenas
Olho as ondas pequenas
Que na praia vêm espreitar
As magoas do meu olhar
E nessa maravilha
Vejo outra maravilha
A tua bela imagem
E perco-me nessa miragem
Ouvindo tua voz a chamar
E os teus belos cabelos
Prateados pelo luar
Que não me canso de olhar
E que não posso tê-los
Para os poder afagar.
Mas se eu pudesse acariciá-los
Batendo em minhas faces
Eu poderia prendê-los
Sem enfeites nem enlaces
Mas embebido nesse silêncio
Respiro todo o incenso
Provido de um terno amor
E que tem todo o valor
De uma loucura sincera
De tudo aquilo que era
Somente o nosso real amor
Ah – Mas se eu pudesse também ir
E contigo poder fugir
Para um lugar bem a sós
Onde o eco da nossa voz
Fosse um doce rugir
E onde o nosso amor
Fosse apenas a mensagem
Sem nos faltar a coragem
Para nos fustigar a dor.
Mas tu não vieste
E as ondas se foram
E voltaram sem ter fim
E tu não quiseste
Dar-te um pouco a mim
Aos meus olhos serenos
Onde não há lágrimas
E aos meus lábios
Onde há um sabor salgado
E no meu peito;
Há um coração torturado
Por esse amor incerto
Que está longe
Mas para mim está bem perto
Mas a tua imagem se esconde
E fico sem saber onde
E fico só
E fico triste
Esquecendo tudo o que existe
E que sou feito de pó
Mas nessas ondas prateadas
Que para mim
São tudo e nadas
Murmuram-me o teu amor
O teu doce carinho
Que me fazem esquecer
Este tortuoso caminho
Onde jaz o meu imo profundo
E onde caem pedaços do meu mundo
Que não posso esquecer
Por muito te querer.


                                                                                                           ARIEH NATSAC



MEU FADO

Fado é sina. Fado é dor
Um sentimento de amor
Mas é nosso é Português
Desponta em cada viela
Como atenta sentinela
Com orgulho e altivez

Já o canta muita gente
É linda a sua melodia
De poetas com frases de oiro
Que no peito a gente sente
Como se fosse Ave-Maria
Que eu guardo como tesoiro

Quando eu me for embora
Sei que toda a gente adora
Pôr flores com choros e ais
Digam só os meus poemas
Se eles valerem a pena
Não vos peço nada mais

Não quero flores nem pena
Que isto fique bem assente
E dito na voz do vento
Que de longe vos acena
Como dizendo o que sente
E expressa o meu sentimento.

Fiz tão pouco ou quase nada
Por isso não quero a paga
A quem eu os vou deixar?
Cansei tanto os meus olhos
Apenas recebi os escolhos
Porque não os soube amar.

                                                                         ARIEH NATSAC

NÓS OS ASSASSINOS


Somos elementos de reacção
De produtos em combustão
Activados por glândulas
Pulmonares e salivares
Que os inalam dos ares
Por vias orais e nasais
Poluindo os pulmões
E outros órgãos capitais
A expulsão do gás carbono
Queima o oxigénio ao abandono
Em laboratórios circulantes
Mas as combustões são constantes.
Nefelibatas é que nós somos
Em nuvens os pensamentos pomos
Para nos tornarmos libertos
Pomos nossos espíritos abertos
Somos os reis da poluição
Destruímos o nosso mundo de acção
Com o vírus da doença
Que nos acompanha à nascença
Neste ambiente onde vivemos
E é ele tudo o que temos
Somos os reis da destruição
Pomos o mundo em ebulição
Destruindo-nos lentamente
Acabando com a semente.
Mas que mundo queremos nós?
Se nesta fogueira atroz
Que arde e nunca pára
A nossa ambição não sara
As cicatrizes desta batalha
Onde o fumo é a mortalha
Que de capa nos vai servir
Quando a boca não parar de abrir
Por não poder respirar
Sufocada com falta de ar
Que nós vamos condensando
E em reacções carbonizando
Mas afinal que queremos nós?
Se não ouvimos a nossa voz
No meio de ruídos sonoros
Que se tornam quase coros
Nos nossos ouvidos sem som
E o nosso sangue tão bom!
Onde até há D.D.T.
Sem que a gente por ele dê
Tudo isto que nós temos
E às vezes não sabemos
É tudo feito por nós
Para nos destruirmos
Neste mundo tão feroz
E para quê tanta ferocidade?
Se às vezes nessa maldade
Nós próprios vamos cair
E quase sempre sem sentir
Se nos ardem já os olhos
É por causa dos escolhos
Que vamos arranjando
E com lágrimas lavando
Se com as pernas não podemos
É pelo que não comemos
Porque os órgãos capitais
Rejeitam por não poderem mais
Começando uma guerra biológica
De acção catastrófica
Que nos põe em combustão
Lançando-nos no mundo
Em destruição.


                                                                               ARIEH  NATSAC






ELEVADORES DE LISBOA

Rua abaixo
Rua acima
Em marcha tão vagarosa
Mantém a mesma cadência
Bem ritmada e chorosa

Cada pedra da calçada
Estremece com o seu rodar
Sempre que é acordada
Vê o amarelo passar

Já lá vão muitos anos
E vê-se em cada janela
Passar um trole rotineiro
Chamando algum passageiro
Evitando-lhe a suadela
Ao subir tão íngreme outeiro

Suas casas tão velhinhas
São a sua companhia
Que o amparam ao passar
E o vêm cumprimentar
Durante anos. Todos os dias

São os elevadores de Lisboa
Que nos contam a sua história
E desta gente tão boa
Na Bica no Lavre e da Glória.


                                                                                      ARIEH NATSAC




EM TRÁS OS MONTES

Por detrás dos montes
Se esconde o silêncio
Entre mantos de oiro
Curtidos pelo agreste
Onde mora a esperança
Que os abafa em mosto
Nesta terra fria
Que gela os contrafortes da alma
Dos que erram entre rios de agonia
E desaguam em caminhos sem ter rosto.
Por eles os filhos gemem
Levantando as pesadas botas
Que os amarra à terra
Enquanto não é dia
Carregando os mistérios
Que da terra brotam
E a mãe natureza lhes vai ensinando
A urdirem o futuro
Com as linhas do presente
Em teares feitos de nada
Numa pureza amarga e doce.
O sol bravio
Aos poucos os vai queimando
E regando com o suor
Como se um cavaco fosse.
Torcido, ressequido e gemendo
Rasga a charrua o filão
E a enxada cobre de terra
A semente
Que castigada, fustigada
Rompe da terra rumo ao céu
Ao sabor do vento
Num hino de amor e liberdade
Mesclado de flores de amendoeira
Que enfeitam um terço de pedras
Com que reza à natureza perdida
E acolhe saltimbancos
Que passam no silêncio a fronteira.
Por de trás dos monte
Ai como o descanso é duro
Pesado como a canga da mentira
Benzida por crepúsculos sombrios
Que escondem a verdade
Dum dia a dia cada vez mais escuro
Malhado nas bigornas
Onde se cravam as ferraduras
Da mula da vida
Que tantos coices nos dá
E nos enrola como molhos.
Mas não se abrem os olhos
Dos que apenas sabem a linguagem do gado
Ou fazem musica com a flauta de pã
E aprendem a destreza das aves de rapina
Que se empoleiram nos cornos do destino
Que cheira a vinho, azeite e amêndoa
E tem sabor a figo e a noz.
Amo-vos meus irmãos. Amo-vos
Mesmo olhando os montes
Por de Trás-os-montes
Onde se esconde o amarelo da fome
O verde da esperança
E o azul de cada dia que nasce
Quando a noite se despede de vos
Amo-vos meus vigilantes
Que quando morrem
É sempre como homens
De pé.




                                                                             ARIEH  NATSAC






DONZELA TODA A VIDA

 DONZELA TODA A VIDA

De olhos cerrados no chão
Calada como donzela
Procura na solidão
Quem não procura por ela

Não fala com ninguém
E anda sempre apressada
Há quem diga que é virgem
Por ela não passou nada

Anda triste a criatura
Escondendo o seu segredo
Até que chegue a altura
Da chave do bom S. Pedro

Já caminha para a velhice
Os anos já não perdoam
Está voltando à meninice
Seus desejos a atraiçoam

Agora quer qualquer um
Com o calor que ainda tem
Mas não arranja nenhum
Já não convence ninguém

Perdeu toda a mocidade
Fechada em seu castelo
Agora sente a saudade
Dum amor que não desvelo

Triste sina bem macabra
Mas ninguém sente remorsos
Para que a porta se não abra
Quem não lhe comeu a carne
Não lhe roa os ossos.


                                                                       ARIEH  NATSAC