Não olho para o relógio
Para não me distrair da leitura
Lá fora o vento agita e assobia
Nos altos coqueiros
Fazendo-os vibrar numa tortura
À minha volta ouve-se o zumbido
Dos mosquitos
Também eles procuram um abrigo
A pouco e pouco vou devorando
As páginas da minha leitura
Mas o meu pensamento está longe
Como longe me encontro eu
O sono não há meio de chegar
E o silêncio da noite
É a minha única companhia
Mesmo que queira sair não posso
Pois chove a cântaros
E dentro daquela palapa (Palhota de Timor)
Há-de se sentir os efeitos
Desta noite de invernia
Aqui debaixo de telha
Estarei um pouco mais confortável
Pois a chuva continua a cair a cântaros
E as horas vão-se passando
As ribeiras que estavam ressequidas
Gemem agora torrentes de água
Que vêm desaguar dentro das palapas
A chuva também não lhes perdoa
Aí homens mulheres e crianças
Dormem a monte
Juntamente com os animais
Mas para eles não há frio nem chuva
Os seus magros corpos já estão habituados
A todas estas intempéries pluviais
Também já dormi nalgumas
E na cama havia somente
Uma enxerga e um cobertor
O calor a isso nos obriga
Assim como a transpiração dos corpos
Esta será uma noite diferente
Deitado na minha cama
Dormindo um sono só
Quando ele chegar
Sem ter receio
De ser incomodado pelas formigas
Que nos visitam quando caem do tecto
Hoje apenas ouvirei o vento a chuva
Que se faz sentir lá fora
O sono parece que chegou
As palavras do livro
Começam a bailarem em frente dos olhos
O zumbido dos mosquitos
Parece vir de muito longe
Como ainda longe me encontro eu
Depois tu passa ao subconsciente
Até o sol raiar novamente
Sugando as águas
Que agora inundam os caminhos
Tornando-os pequenos ribeiros
Com ele volta a alegria do povo
Assim como as suas cantorias
De um linguagem difícil de entender
Há mundos que se tentam esquecer
E só durante o sono se perdem de vista
Mas amanhã quando acordar
Verei as mesmas caras
Verei os mesmos coqueiros
Darei os mesmos passos
Também na nossa dura vida
Há o hoje e o amanhã
Começo e fim de uma vida dispersa
Mas depois desta tristeza
Quem sabe o amanhã?
Ninguém. Melhor dizendo, alguém sabe?
Mas talvez tudo tenha mudado
Para lá desta muralha intransponível
Mas pelo menos há uma certeza
Amanhã é Domingo
Dia de descanso
Mas um descanso relativo
Pois a actividade do nosso corpo será constante
O bulício das praias bem ladeadas
Pelas altas montanhas
Onde sobem íngremes caminhos
Que mais parecem carreiros de formigas.
Também na nossa vida
Temos caminhos bem sinuosos
Por onde vamos passar
Tal como acontece às formigas
E por isso vamos lutando, lutando
Por um amanhã cada vez melhor
Procurando disfarçar a solidão
Que ameaça um desespero
Não basta dormir
Para que se apague tudo de vez
A sonhar não se escrevem poemas
Apenas se conseguem imagens fictícias
Para as lançarmos em folhas
Da nossa imaginação
…O amanhã sempre chegará?
Chegou. Mais uma vez chegou
E portando tornou-se hoje
Mais uma certeza de futuro
Embora o mesmo possa vir a ser breve
Hoje não há chuva
Um sol radioso veio despertar-me
Através da janela do meu quarto
Cara risonhas caminham para a missa
Pedindo talvez por um amanhã melhor
E para mim?
È mais uma bela manhã passada na praia?
Não sei. Apenas quero ter liberdade de espírito
Pois que outra ainda não posso ter.
Sobre estas areias escaldantes
Que já se habituaram à minha presença
Pois são elas o espraiar das minhas alegrias
E muitas tristezas.
È deitado nas suas doces águas
Que vou encontrando o alento
Olhando lá bem para o cimo
Onde soldados rígidos e sem voz
Fazem o seu reconhecimento
Desta região que conheço palmo a palmo.
Mas quantas alegrias sem limites
Não são vividas nestas areias escaldantes
Parecendo o fogo do inferno
A queimar a mancha dos pecados
Que ali se praticam
Pela calada da noite.
Aproxima-se a hora do almoço
Intervalo de alegrias passadas na areia
Onde os corpos de mulheres bronzeadas por natureza
São substituídas por corpos másculos
Mas por vezes imaturos
Depois do almoço
Irei continuar a ler o meu livro
Com a companhia de mosquitos
E com uma música suave
Aquela que nos é possível ter
E que torna o ambiente mais sereno
Como serenas são as noites
Vividas em palapas sem comodidades.
Mas os pensamentos vão-me assaltando
Por vezes tenho que voltar atrás
Para saber aquilo que estou lendo
O calor continua apertando
Apenas a água me deixa um pouco
Mais confortável
Mais algumas páginas são por mim devoradas
Mas com pouca vontade
O interesse pela leitura tornou-se menor
A canícula cada vez vai sendo maior
Por isso de um salto, levanto-me
Olho para a rua através da janela
Protegida por um mosquiteiro
Mas o sol abrasador. Convida-me…
A passar com ele o resto da tarde
Resolvi segui-lo
Mas com rumo incerto
Procurando talvez. Quem sabe. O amanhã
Que ainda vem muito longe.
Quem sabe….
ARIEH NATSAC
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