Sento-me na cama com o tempo
Encho de nuvens a cabeça
Mordo-me sem deitar um lamento
E deixo que a chuva aconteça
Calço as botas do cansaço
Visto a roupa de um corpo frio
Mergulho no ar com um abraço
E sinto na nuca um arrepio
Tomo o pequeno almoço de raiva
Como o pão que se torna escorregadio
Como se fosse barrado por saraiva
E sem saber como…mordi-o
Transporto-me numa casca de banana
Tenho na boca o sabor amargo de limão
O calor de um sol que nos engana
E o fatalismo que anda de mão em mão
Rasgo as horas num trabalho doentio
Cuspo as palavras que me servem de almoço
Amarro as tripas fio a fio
Com as forças com que ainda posso
Tolhem-se-me os pensamentos baralhados
Quando me oriento no regresso
Ofuscados meus olhos estão cansados
Pela limalha da fúria do progresso
Quando chego a casa oiço as notícias
Amarelas ou de sangue vermelhas
Amarguro-me com tais malícias
Que me julgo num enxame de abelhas
Confesso-me, releio-me, medito e adormeço
Sabendo que alguém me vigia
Neste sono que julgo bem mereço
Depois de ter feito tanta acrobacia.
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