quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O SEM ABRIGO


De barba crescida
Cabelos ao vento
Vejo por mim passar
O homem da gabardina
Sem dar pela chuva
Que o afaga
Quando lhe cai em cima

Todas as ruas são suas
As pessoas já o conhecem
Quando o vêem passar
Falando com o Diabo
Não conhece Deus
Mas ele protege-o
Ao fim e ao cabo

Para ele não há sol nem chuva
Nem sequer dia ou noite
Fala com toda a gente
Conta-nos histórias
Do arco-da-velha
Coitado é louco
Hoje anda com a telha

Assim se comenta
Quando o ajudam
Mas ele não larga a gabardina
Que com ele dança sem ritmo
Quer-lhe como um filho
Parido no ventre do destino
E fruto de tanto sarilho

Deita-se com qualquer vão de escada
Aquece-se em vapores de bagaço
Refresca-se no malte da cerveja
Que alguém lhe paga
Conforme a estação do ano
Que não distingue
Tal como uma larva

Não trabalha mas recebe
Os sorrisos da desgraça
Que esconde na gabardina
O seu cofre-forte
A sua única riqueza
O seu fato de gala
As algemas da sua sorte

Da sua boca desdentada
Saem palavras e palavrões
Que aprendeu no livro da vida
Espinhos de cardos
Que lhe rasgam a pele
E lhe abriram os olhos
E o curvaram como fardos

Da cidade é postal ilustrado
Duma cidade sem cor
Vista a preto e branco
Quando o sol se esconde
E a chuva gela de pranto
Quando esta sombra da cidade
Caminha sem saber por onde

Procura o mundo do nada
Como comissário de bordo
A ilha desconhecida
Para pisar terra firme
Exausto já sem forças
Abraça a primeira calçada
E com ela dorme
O homem da gabardina.


                                                                  ARIEH  NATSAC



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