quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

QUEM CANTA OS SEUS HORRORES



QUEM CANTA OS SEUS HORRORES
(Pode ser cantado com a música dos Índios da meia praia)
José Afonso
Esta letra é de minha autoria

Tenho um Janeiro no peito
De águas frias a correr
Quer na vida quer no leito
Já o sol me faz tremer


Com café quente na mesa
Num inverno p’ra adoçar
Tenho a chuva por fineza
E um frio que é meu olhar


Olhando atrás da janela
Borbulham gotas no chão
São do tempo as aguarelas
Com chá quente de limão


Lá fora o mundo é espelho
De uma vida de um projeto
Tenho no bolso o conselho
Dum livro com todo afeto /


Se as folhas amarelarem
Tenho um cheiro a bafio
São como cãs a bailarem
Na velhice ao desafio


E quem canta seus horrores
São trevas nas frases feitas
Não me iludo com favores
São as arcas com maleitas


Se a coisa for tão vulgar
Como será noite escura?
Tudo me dá que pensar
Como deu a ditadura /


Nascendo já encontrei
Uma vida com defeito
Uma chama que ateei
Ardendo dentro do peito


Há muitas horas amargas
Que eu quero esquecer
São as dores nas ilhargas
Que me fazem padecer


E se a gente se distrai
Logo vem o anticristo
Para ver se a gente vai
Escapar a algum registo


E toda a fraca figura
Que desce à noite ao relento
Tenta matar a secura
Que em amor procura alento /


Nem subindo os Himalaias
Consegue tocar o céu
Apenas se despe em praias
Pondo triste corpo ao léu


É com olhos inocentes
Que procuram ter um pão
São como estrelas cadentes
Que tombam no meio do chão


Fazem parte da escritura
Da escritura que é sagrada
Que é lida na sepultura
Quando se vai de abalada /


Que a justiça seja feita
Ao menos no fim da vida
Ela que foi contrafeita
E por vezes esquecida


Agora p’ra terminar
Que o esqueleto já me dói
Ao mundo quero lembrar
Que também já fiz de herói. /



ARIEH  NATSAC





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